Tradutor-vampiro

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Em qual período do dia você trabalha melhor?

É uma pergunta que sempre faço quando converso com os colegas. Parece que preciso de um reforço, de mais confirmação de que a hora certa de trabalhar é durante o dia. É a mais certa para mim, que tenho um filho pequeno e organizo o dia a dia de acordo com as necessidades dele: hora de ir à escola, de voltar, comer, fazer lição, estudar, brincar, dormir e… acordar! Ele acorda cedo, bem cedo, porque, afinal, estuda de manhã. “Mas por que você não deixa o menino estudar à tarde?” é o que sempre me perguntam. A escolha pelo período da manhã foi minha desde o começo, ele sempre reagiu bem e não penso em mudar, por vários motivos pessoais.

Mas como tudo tem um porém, o meu dilema está no fato de eu trabalhar muito melhor à noite do que durante o dia. Quando a rua e a casa ficam em silêncio, depois das 21h30, geralmente, é quando a produção aumenta, aumenta e vai firme até 1h, 2h da madrugada. E levanto às 6h para começar o dia, colocar a vida para andar, coisa e tal. Ou seja, sem chance de seguir essa rotina todos os dias.

Em épocas mais tranquilas de trabalho, consigo dormir às 22h30, 23h, para acordar disposta na manhã seguinte. Mas e quando o trabalho está em ritmo intenso? Como dormir cedo e amargar uma produção abaixo da ideal na manhã do outro dia?

Estou descobrindo a solução, vejam vocês.

Tradutora-ninja e muito bem relacionada que sou (rá!), mas sem motivação constante (leia-se “chefe”) para produzir como se deve, uni forças com outros tradutores-ninjas que produzem relativamente bem durante o dia, mas que também estavam meio caídos, coitados 😀 Não dividimos o mesmo espaço físico, mas temos uma salinha virtual na qual nos encontramos para dividir as alegrias e as mazelas da vida e, tentando fazer com que um fechasse o bico quando os outros conseguiam se concentrar, decidimos testar uma mistura de técnica Pomodoro (leia mais em www.pomodorotechnique.com) e “fecha a matraca aí, poxa, vamos traduzir”. Cronometramos um tempo que consideramos ideal e só depois desse período voltamos a nos comunicar. Isso não elimina totalmente outras interferências (telefone, campainha etc.), mas tem ajudado – e muito – a melhorar a concentração. Acredito que três elementos tenham papel forte aí: cumprir a “promessa” de se dedicar a trabalhar, já que os outros também se comprometeram; o espírito competitivo (não quero ser a lerda, vou trabalhar também) e a alegria de ver o trabalho progredindo. Para mim, o ânimo de encerrar a cota do dia antes do pôr do sol tem sido grande. O mais bacana é que fazemos as nossas “corridinhas” em grupo, em pares e – pasmem! – até individualmente. “Ah, eles ainda não estão aqui, então vou fazer um ‘pomodoro’ até chegarem”. E tem sido extremamente proveitoso.

Estou, finalmente, me habituando a trabalhar mais durante o dia!

Acho que, vez ou outra, vou acabar avançando o “limite”, vou acabar trabalhando à noite. Mas quero que dias assim sejam exceção, não a regra. O tempo passa, o corpo pede arrego ou você decide que chega, está na hora de ter, de uma vez por todas, rotina de gente “normal”: trabalhar para viver, com horário definido, tudo bem legal.

Com tudo isso, concluo duas coisas:

1) É possível, sim, mudar certas coisas que temos como “verdade inalterável” (xô, síndrome de Gabriela, aquela que nasceu assim, cresceu assim, é mesmo assim e vai ser sempre assim…)

e

2) Às vezes, pensamos que conseguimos tudo sozinhos, mas a caminhada pode encrespar. Se tivermos amigos por perto, tudo fica mais fácil. A união faz a força, unidos venceremos e toda essa história que ouvimos desde sempre são grandes verdades 🙂

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IV Congresso Internacional de Tradução e Interpretação da Abrates

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Excelente oportunidade para encontrar colegas, fazer contatos e aprender!

O Congresso este ano será em Belo Horizonte e as “caravanas” já estão se formando. Vários “janeleiros” já estão confirmados como palestrantes, nada como poder ver ao vivo e poder interagir com as pessoa que costumamos só ler não é?

Não perca essa oportunidade!

http://www.congressoabrates.com.br

Remando

Daniel Estill

Comecei a praticar o Stand Up Paddle há uns dois meses. Há tempos que tinha vontade de remar, mas sempre faltava a iniciativa. Até que um professor se instalou na praia do Flamengo para dar aulas e alugar as pranchas e ficou mais fácil. Fiz a primeira aula, com instruções básicas, e comecei. Tenho ido quase todo dia, chego cedo, entre 6h30 e 7h, remo por mais ou menos uma hora e lá pelas 9h, já estou sentadinho diante do computador para as remadas tradutórias.

Em geral, remo sozinho, assim como traduzo sozinho. Mas, sinto falta de companhia, até para poder remar para mais longe, assim como não dá para traduzir grandes projetos sozinho. Companhia é bom, colegas ajudam.

Em dois meses, já conheci algumas pessoas, em geral, neófitos como eu. Uns levam mais jeito, outros, menos. Hoje, sábado, saí para remar sozinho, estava meio desanimado, mas o mar estava bem liso, sem vento e lá fui eu. Remei, parei, fiquei boiando olhando a paisagem em volta, o Pão de Açúcar no fundo, o Cristo mais adiante, a ponte Rio-Niterói do outro lado. Nisso, vi um outro remador se aproximando. Remava forte, seguro, uma prancha bacana, aquele jeito de experiência que a gente, que está começando, logo olha com inveja e deseja para si. Que tradutor que está começando não olha a galera experiente, falando de projetos, ferramentas, clientes bons e ruins, e não pensa, “por que não eu?”.

O remador passou por mim, ao largo, nos encaramos, mas ele não parou. Tratei então de me por de pé e começar a remar, de longe, mas acompanhando. Tive que acelerar meu ritmo, cansar um pouquinho mais, mas acabamos nos encontrando lá na Urca. Trocamos algumas amabilidades, começamos a remar  na mesma direção. Vamos até ali? Vamos. Vamos até lá? Vamos. Fomos.

Encontramos remadores de caiaque. De canoa polinésia. Ele conhecia algumas pessoas, pois já fora remador de canoa também, me contou. Ah, que legal, eu disse, eu gostaria de experimentar. Ah, é? Vamos lá que te apresento. E assim foi. Fomos até a prainha da Urca, ele me apresentou o dono da canoa, que dá aulas e tem turmas. Remam longe, bem mais longe do que com a prancha de Stand Up. Remadas longas, um desejo meu. Trabalho de equipe, todo mundo junto, quando um cansa, o outro compensa, uns produzem mais, outros menos, mas no final, todos chegam. Não é diferente dos projetos de localização mais complicados que existem por aí. Mas para essas remadas mais longas, é preciso antes remar sozinho, é preciso mostrar que você sabe remar e chegar um pouquinho além, e chegar inteiro. É preciso saber se aproximar. São coisas que se aprendem, não dá para simplesmente chegar e dizer, “me leva nessa sua canoa aí”.

Tive uma relativa facilidade com esse esporte, mas não foi por um talento natural ou por inspiração divina. Ajudou muito eu ter velejado quando era moleque. Ajudou muito ter praticado natação ocasionalmente. Ajudou muito eu não ter medo do mar por já ter mergulhado aqui e ali. Não sou nenhum desportista radical, sou até bem sedentário, mas até que, essa experiência anterior, ainda que esporádica, está me ajudando bastante. Na tradução não é diferente. Não sou nenhum grande sucesso tradutório, mas consegui me estabelecer. Com o tempo, me aproximando das pessoas certas, fazendo as perguntas certas, observando quem sabia mais do que eu. Atualmente, não falta trabalho, assim como não falta mar onde remar.

Modos na cabine!

Assistido despretensiosamente, o vídeo abaixo pode parecer uma comédia, uma sátira, um exagero. Mas quem tem algum tempinho de estrada em cabine vai reconhecer a maioria desses comportamentos, até em si mesmo (!!!). Coisas que parecem inofensivas mas que na realidade incomodam muito quem está ouvindo.

Não deixe de compartilhar caso tenha alguma história engraçada sobre isso!!

Cuide bem da sua vitrine

Começo este post com uma metáfora que é considerada comum por muitos tradutores, mas ignorada por vários outros: a internet é nossa vitrine. Você já deve ter lido e ouvido muitos de nós afirmar que a internet e as mídias sociais são ótimos recursos que promovem a interação, o networking, a captação de clientes, etc. Mas fique atento: também é muito fácil se queimar.

O que não fazer na internet?

Eis uma listinha de atitudes que, a meu ver, não ajudam na construção da sua imagem profissional; só somam pontos negativos. A lista não segue uma sequência especial e – acredite se quiser – foi inspirada em situações que já presenciei ao longo de meia década de interação on-line intensa:

  1. Reclamar de falta de trabalho
  2. Reclamar de falta de dinheiro para comprar ferramenta X, Y ou Z
  3. Perguntar onde pode achar uma versão pirata do software X, Y ou Z
  4. Afirmar que decidiu comprar a licença do software X (aê, ponto positivo!), mas que vai dividir a licença com um colega – o velho jeitinho brasileiro (isso seria algo como “meia pirataria”?)
  5. Reclamar do preço de uma conferência, seminário, curso, etc.
  6. Fazer perguntas facilmente resolvidas com uma pesquisa rápida
  7. Fazer perguntas que demonstram sua total falta de noção sobre o mercado e as boas práticas (tipo “Aceitar um projeto que envolve traduzir dezenas de milhares de palavras em pouco mais de dois dias é normal?”)
  8. Afirmar que aceitou o projeto acima
  9. Afirmar que cobra tarifas baixíssimas e vive dando descontos
  10. Dar a entender que você não lê ou segue instruções, por exemplo, quando alguém anuncia uma vaga de emprego e pede que enviem o CV por e-mail, e você vai lá e dá seu e-mail; ou, em fóruns, quando pedem que sempre informem o contexto, e você continua fazendo várias perguntas sem contextualizar; ou, ainda, você tenta vender seu peixe num fórum cujas regras claramente proíbem propaganda; e por aí vai…

E o que fazer?

Além de evitar a lista acima, antes de escrever em qualquer ambiente virtual (seja uma opinião num fórum de discussão, mesmo que aparentemente fechado e privado, um comentário ou post em um blog, ou até mesmo um simples tweet ou atualização de status do Facebook), pergunte a si mesmo se gostaria que essas informações saíssem numa manchete de jornal ou fossem lidas por um cliente potencial. Pois é, parece exagero, mas é quase a mesma coisa. Lembre-se de que não temos controle sobre o destino de nada que jogamos na imensidão da internet, e muito menos sobre os possíveis leitores.

Entre outras coisas legais, colaborar para tirar dúvidas dos colegas, escrever com atenção à ortografia, gramática, coesão e coerência, fazer perguntas inteligentes e bem contextualizadas, manter um blog e um site interessantes, saber manter uma postura profissional e equilibrada mesmo quando uma criatura totalmente sem noção invade nosso espaço, tudo isso soma pontos a seu favor.

Os resultados

Já perdi as contas de quantas oportunidades ótimas surgiram porque (quase) sempre cuidei bem da minha vitrine, da minha imagem virtual. Não falo apenas de clientes diretos que me acharam online, mas de parcerias incríveis que vivem me aparecendo (até minha sócia, a Carol Alfaro, conheci primeiro na internet), recomendações de colegas (tanto tradutores quanto PMs) que geram fluxo de trabalho constante, e dos vários amigos que conquisto e que me conquistam ano após ano.

Eu certamente não estaria onde estou, pessoal e profissionalmente, se não fosse pelos benefícios que colhi, pelos contatos que fiz, pela atenção que tenho dado à interação virtual com colegas e pelos cuidados com o que publico em sites, blogs e fóruns.

Para fechar…

Se você ainda não leu a matéria Profissionais conectados, da edição especial da revista Língua Portuguesa de abril de 2012, recomendo muitíssimo. Vários de nós demos entrevistas e dicas sobre o assunto.

Agora quero jogar a bola para vocês, pois minha lista está longe de ser completa: o que mais poderíamos acrescentar?

Ah, e eu gostaria de ter justificado cada um dos itens que pus na lista acima, mas isso deixaria o texto longo demais. Prefiro bater um papo na seção de comentários com quem estiver a fim. 🙂

* * *

Bianca Bold é tradutora, intérprete, revisora, treinadora, legendadora, blogueira, mestranda, salseira/forrozeira/etc. e mãe da puggle mais linda do mundo. Se quiser mais informações, visite www.biancabold.com e www.translationclientzone.com.

Rocket science

Em algum momento da década de 90, um potencial cliente me chamou ao seu escritório para conversarmos sobre um grande projeto de tradução. Tratava-se de uma empresa de tecnologia de ponta, literalmente, rocket science. Estavam construindo uma malha de satélites de comunicação em torno da Terra para a comunicação telefônica. O rapaz que me chamou era novo na empresa e ficara encarregado de cuidar das traduções de uma enorme quantidade de manuais, lembro vagamente de um número como 700. Setecentos grossos manuais sobre lançamento, colocação em órbita e operação de satélites e suas respectivas bases de controle em uma rede mundial de telecomunicações.

O rapaz me entregou um dos manuais como amostra, com base no orçamento para aquele exemplar, faríamos uma projeção para o todo do projeto. Fiz a contagem de palavras por página — os manuais estavam impressos, não tínhamos acesso ao formato eletrônico — e cheguei a um valor digamos de dois mil e quinhentos reais, algo como uns mil e poucos dólares. A projeção para todo o projeto ficaria pois em algo da ordem de 1,75 milhão de reais, algo em torno de uns setecentos mil dólares hoje, em julho de 2009.

Para uma pequena agência de tradução, era uma cifra inimaginável. Mesmo dando o menor preço por palavra possível, era muito, mas muito dinheiro. Nossos olhos brilharam e começamos a sonhar. Sonho que durou pouco, obviamente.

Após o envio da proposta, silêncio, vários dias. Resposta alguma do cliente. “Claro”, pensamos, “trata-se de uma grande soma, é uma decisão demorada mesmo”. Uma semana se passou desde o envio da proposta, não dava para continuar esperando e liguei para o meu contato na empresa e a resposta foi mais surpreendente do que frustrante:

— A direção concluiu que sairia mais barato ensinar inglês aos técnicos do que traduzir os manuais.

Não sei quantos técnicos eram, não deviam ser tantos assim. Estavam montando a operação no Brasil, precisariam de gente capaz de operar os satélites que cobririam a nossa região, a instalação das bases ainda levaria algum tempo, viriam técnicos e executivos do exterior. Enfim, era um projeto de longo prazo. Será que daria tempo de ensinar inglês para um bando de engenheiros e técnicos de diferentes níveis em, digamos, dois anos, a ponto de estarem aptos a lidar com instruções complexas, terminologia altamente especializada e todo o aparato envolvido com a história? Deixo a questão aberta aos comentários que alguma alma generosa se disponha a fazer.

Um abraço.

PS. Se você não conhece a expressão rocket science, peça ao Ulisses um post no tecla sap 😉

O cliente tem sempre razão…

Este é o lema do prestador de serviço: o cliente tem sempre razão. Ele pede, exige e a gente faz.

Mas às vezes o cliente é mal informado ou já foi passado para trás antes, então já chega para a gente meio abacaxi: difícil de descascar. E, por mais convincente que a gente seja, não há como demover a ideia de que é tudo a mesma coisa ou, para citar o livro excelente do Umberto Eco sobre tradução, Quase a mesma coisa.

Explique para um cliente que CAT Tool e MT não são a mesma coisa. Tente enfiar na cabeça dele que você trabalha com uma ferramenta que facilita seu serviço e ainda confere consistência terminológica, mantém a formatação do jeitinho que ele mandou. Às vezes, as duas partes não falam a mesma língua. Muitas vezes, literalmente. E o cliente pede, encarecidamente, para que você não use a tal ferramenta milagrosa, pois antes já fizeram para ele um trabalho no Google Translate e a formatação foi para o brejo.

Silêncio profundo para aquela respirada antes do ataque apoplético.

Ou o cliente pede, estritamente, AQUELA ferramenta que é cara, complicada de usar e que fica muito aquém da sua ferramenta mais em conta, ágil e com um serviço de atendimento ao cliente impecável, rapidíssimo, mesmo estando às margens do Danúbio. O que fazer?

Trabalhe do seu jeito. Use, se possível, a ferramenta com a qual você se adapta melhor. Mas respeite o cliente, entregue o trabalho do jeitinho que ele pediu. Ele tem sempre razão e, por isso, deve receber seu melhor serviço, sempre. Agora, o que você vai fazer com o texto dele durante a sua labuta é problema seu (e total responsabilidade sua).

E antes que eu me esqueça: para ótimas dicas sobre a relação tradutor e cliente, não deixem de visitar o Translation Client Zone, da Bianca Bold.

Abraço!

Denise Bottmann fala de teoria e prática da tradução em aula inaugural na UFSC

“Quando Monsieur Jourdain descobre que fala em prosa: comentários sobre o difícil trânsito entre dois campos separados e mutuamente irredutíveis, a teoria e a prática da tradução”, aula inaugural apresentada na Pós-Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina, a cargo da querida Denise Bottmann, já está disponível no site da própria PGET: http://www.pget.ufsc.br/curso/realizacoes.php?id=206

A aula provoca desde o início uma reflexão sobre o papel da teoria da tradução na própria prática da tradução, em específico na tradução autoral. Será que a teoria engessa a prática? Será que pode tornar os tradutores futuros “Jourdains” da tradução? Afinal o burguês Mounsieur Jourdain de Mouliere já falava em prosa, mesmo não sabendo que o fazia. Tentar aprimorar a própria prosa usando uma linguagem mais rebuscada, simplesmente tornaria a fala artificial e afetada, ou em outras palavras, ridícula.

Os que traduzem intuitivamente, assim como Mounsieur Jordain, ignoram os mecanismos que estão sendo mobilizados, mas atingem o próprio instrumental, sua própria bagagem cultural, os sistemas linguísticos utilizados, as “leituras comparativas, os dicionários, as pesquisas literárias, os diferentes estilos” e as várias figuras de linguagens para escrever sua tradução. Eles utilizam seu instrumental, conhecem bem suas ferramentas, mas usam os mecanismos mobilizados para o uso deste instrumental de forma intuitiva. Será que conhecer estes mecanismos já utilizados intuitivamente os aperfeiçoa ou os torna engessados? Será que conhecê-los os torna controlados demais e bloqueia a espontaneidade do tradutor? Qual será o ponto de equilíbrio? Será então que traduzir é uma arte inata? Será que já nascemos com esta aptidão, com este talento, esta capacidade de captar o que foi escrito pelo autor?

E ainda, qual o melhor caminho a seguir para ser um tradutor? Ou ainda, para ser um bom tradutor? Quais os pré-requisitos para ser um tradutor? E para ingressar em um curso de pós-graduação em tradução? O que um curso de pós-graduação em tradução deveria oferecer a seus alunos? Como fazer com que o aluno mobilize corretamente seu instrumental?
Tradutor gosta de ler e o faz desde pequeno. Difícil alguém ser tradutor sem ter prazer pela leitura. Difícil conseguir traduzir e produzir bons textos na própria língua sem ter uma considerável bagagem de leitura anterior. Imprescindível dominar a própria língua de antemão. Não é concebível que alguém que pretenda ser tradutor desconheça normas gramaticais, de sintaxe, fíguras de linguagem. O que fazer, então, para ensinar a traduzir ou melhorar a atividade tradutória dos alunos? Oficinas. Nada como a prática afinal!
Uma bela mensagem da Denise Bottmann aos jovens que ingressam neste mundo: utilizem sua “capacidade de dedicação plena”, seu “coração de trabalho”, dediquem-se.
Mas já escrevi demais, melhor vocês ouvirem a aula magistral da Denise com seus próprios ouvidos.

http://www.pget.ufsc.br/curso/realizacoes.php?id=206

O que você aceita?

Hoje, na comunidade de tradutores do Facebook, uma colega fez um desabafo. Recebeu uma proposta indecente de uma editora, totalmente fora do mercado. O desabafo rendeu, pasmos que ficaram os membros da comunidade, e me inspirou para fazer este post. A pergunta retórica acima leva a muitos pensamentos que ficaram pendurados na postagem da colega, nas opiniões que fizeram uma coluna bonita no meio da comunidade.

Como a própria colega disse, não adianta brigar. Vai ter gente que aceitará o tal preço sem chorar, rindo ainda por cima. Talvez por não estar no mercado ainda, por necessidade, por desinformação. A minha questão é: o que cada um aceita é problema dela, mas e o restante da classe? Por mais desunida (e hoje a situação está um pouco mudada) que seja a classe tradutória, o mínimo para alguém que se denomine tradutor é estar atento. Sua hora vale tantas merrecas? A mixaria, que mal dá para compensar o que você gastou de energia (elétrica,  vital, intelectual) na realização da tarefa, pagará tempo que você não vai passar com aqueles que você ama, os finais de semana, o ócio tão bem-vindo, o estudo e a leitura perdidos quando o chequinho magro bater na sua conta?

Não saio por aí dizendo que sou o tradutor mais bem pago da paróquia, nem gritando meu preço a quatro ventos, mas eu me respeito. E honro minha palavra quando caio numa roubada, por exemplo, uma preparação que duraria duas semanas e levou quase um mês de tão ruim que a tradução estava. E se cada tradutor pensasse duas vezes antes de pôr tudo que ele aprendeu a serviço de canalhas que se aproveitam das mínimas oportunidades, com certeza não teríamos posts como este.

O caso do Frankenstein luso-brasileiro

Esta semana fiz a revisão de uma tradução bem peculiar, tanto que perguntei o nome do profissional à PM, pois queria ver se o conhecia ou se ele pertencia a algum dos fóruns de que participo. Minha intenção era dar uns toques a essa pessoa, mas como o nome dela não aparece em lugar algum da internet, resolvi escrever aqui. No final das contas, é até bom as dicas ficarem disponíveis publicamente, respeitando todo o sigilo necessário.

O que aconteceu?

O texto que a agência me enviou para revisar estava um verdadeiro Frankenstein luso-brasileiro. Sem demora, perguntei à PM se eu tinha entendido certo, que o texto era para o público brasileiro e comentei sobre o problema. Espantada, a PM confirmou que sim, não só o texto era brasileiro, como também a tradutora. Conversamos uns minutos pelo Skype, tentando entender como é que uma brasileira pode escrever trechos em português europeu num texto destinado ao Brasil. A resposta não tardou: culpa da TM, que estava uma salada! Percebi que todas as ocorrências de português europeu apareciam como 100% match.

De quem é a culpa?

Bom, a PM deve ser a culpada pela confusão com as TMs, pois ela sempre envia um arquivo atualizado a cada serviço.

O desconto aplicado pela agência por 100% matches deve ser o culpado pela “falta de atenção” da tradutora aos segmentos 100% “cuspidos” pela TM do cliente.

Em tempo, não era nada sutil. Foram mantidas frases inteiras que soam completamente estranhas aos ouvidos brasileiros, coisas como “inquérito” (em vez de “pesquisa”), “contacto”, “estamos a fazer”, “secção”, além daquelas frases com sujeito oculto quando brazucas usariam um “você” naturalmente, e muito mais. Também não foi uma única frase perdida… foram pelo menos três parágrafos.

O que a tradutora deveria ter feito?

A meu ver, nada justifica um profissional entregar um texto contendo duas variantes de um idioma sem ao menos se dar o trabalho de questionar ou informar o cliente sobre a situação.

Eu entendo que nenhum profissional quer ter o trabalho de retraduzir algo quando a TM deixa a desejar, e o cliente não paga a tarifa cheia. O problema poderia ter sido rapidamente solucionado com um e-mail ou papo no Skype, chutando a bola para o outro campo.

PM não é bicho nem inimigo do tradutor. A ideia é que esse profissional esteja disponível para solucionar problemas com o projeto. Não entendo como um tradutor detecta um problema assim e não comunica ao cliente. E o considero o caso muito pior se o tradutor nem tiver lido o texto. A impressão que me dá é que a tradutora em questão (1) nem leu o texto “cuspido” pela TM ou (2) leu e não estava nem aí para a qualidade nem a satisfação do cliente. Também desconfio que essa pessoa não faça uma leitura final do texto, que considero essencial. E é, ainda, um indício de que ela não usa corretor ortográfico.

E o lado bom de tudo isso?

Talvez a agência tenha aprendido uma lição, pois a PM comentou que deixou de contratar uma colega competentíssima para esse projeto porque “o orçamento do cliente final estava curto” para pagar a tarifa dela pela tradução.

Do meu lado, nem considero os trocados que ganhei a mais com a cirurgia plástica do Frankenstein (já que o cliente me paga por hora). Mas há um resultado óbvio da lei do mais forte ou, no caso, do mais competente. Enquanto esse profissional caiu no conceito da PM, que ficou muito decepcionada, eu fui considerada a salvadora da pátria: “Thank God you’re editing!” foram as palavras dela.

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Bianca Bold
é tradutora, intérprete, revisora, treinadora, legendadora, blogueira, mestranda, salseira/forrozeira/etc. e mãe da puggle mais linda do mundo. Se quiser mais informações, visite www.biancabold.com e www.translationclientzone.com.